Assistimos no último dia 8 de janeiro de 2023 a algumas das cenas mais lamentáveis já ocorridas no Brasil. Sem precedentes na história do país, um de seus maiores patrimônios construídos foi invadido e depredado: Brasília, sua capital.
Sede do governo nacional, a cidade já vinha sendo crescentemente ocupada por populares, insatisfeitos com o empossamento de Luis Inácio Lula da Silva a Presidente da Reúplica, no primeiro dia deste ano, e que representou a retomada de uma gestão popular após uma última gestão pública marcada por autoritarismos desqualificados e indispliscências explícitas.
O ocorrido se deu especificamente na Praça dos Três Poderes, que conta com as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Na ocasião, seus três edifícios foram ocupados e extremamente danificados, tanto em suas estruturas quanto em seus mobiliários, além de documentos, arquivos e objetos de valor histórico, econômico e diplomático, e ainda obras de arte de alto prestígio nacional e internacional. Ademais, os próprios Edifícios Sede são em si valiosas obras da Arquitetura, assinadas pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer.
A gravidade do vandalismo se deve ainda ao valor representativo que Brasília concede ao processo de Industrialização e Modernização do País, ocorridos a partir da segunda metade do século XX, em um Brasil de economia ainda rural e com um tecido construído em sua maioria colonialmente caracterizado. Apesar de que algumas reformas urbanas modernizadoras já ocorriam em diversas cidades brasileiras a partir do final do século XIX, nenhuma delas se assemelhava à vultuosidade e significado com que Brasília foi construída. Uma cidade erguida para ser de fato uma capital, e não apenas Moderna, mas configurando-se na maior pérola urbano-arquitetônica internacional da linguagem Modernista da construção do espaço. Um valor inestimável.
O fato nos pede que reflitamos sobre a importância dos valores democráticos e culturais de uma nação. Ir de encontro aos poderes políticos vigentes por meio da violência é ir de encontro a qualquer propriedade patriotista. Afinal, a história está sempre marcada por desiguldades sociais das mais variadas ordens. Mas assimetrias estas que também têm sido constantemente combatidas por atores políticos e suas bandeiras, através dos instrumentos e meio cabíveis e legais. Não que movimentações políticas, principalmente populares, por vezes não depreendam violências físicas. Porém, nada se compara à utilização da depredação como pseudoferramente de luta política, aquilo que ensejou na Cidade de Brasília as violências patrimoniais mais vis. A barbárie perpetrada vai de encontro a qualquer legitimidade de pauta social ou política, deflagrando-se de pronto a sua invalidade estrutural.
No mais, a cultura de um povo não apenas conta a sua história, mas também a escreve. Destruir um rico patrimônio como Brasília é uma afronta à própria essência identitária e desenvolvimentista de uma nação. É indignação vã contra o passado, o presente e o futuro, em função do vazio de propostas construtivas de qualquer natureza. Afinal, renovações legítimas não comportam destruições. Apenas o inteirar-se politicamente e o participar legitimamente das instâncias culturais, patrimoniais e democráticas de um país são o que validam discursos e pautas de qualquer reivindicação. Apenas assim renovações podem se dar, como coisas novas que nascem naturalmente, porque procedentes, e não porque impostas.