Pensar em diversidade étnica nos faz pensar em diversidade cultural. E muito mais comumente, nos faz pensar também em diversidade de cores e raças. Se por um lado esse tema traz consigo todas as problemáticas das assimetrias sociais, por outro lado, é a Arte que nos possibilita tratá-lo com leveza e irreverência. Não para incutir aí qualquer traço de descaso ou humor, mas para ensejar a criação daquilo mesmo que uma infinidade de cores pode proporcionar: Obras de arte, e principalmente, Obras de arte social.
O Brasil é por excelência um país multiético. Formado pelo encontro de culturas e etnias de diferentes origens, contrói ainda a sua Unidade Nacional em meio às desigaldades e estigmatizações que permanecem a sangrar sua sociedade. Ainda passados os tempos inglórios da escravidão, grupos e povos minoritários continuam escravos das negligências, desasistências, indiferenças e outras condições tantas que fazem descrer qualquer Obra esperada. Há cores que teimam em não misturarem-se com outras cores, desprezando as infinitas tonalidades e matizes possíveis, e desconsiderando que, tanto pelo substrato da matéria quanto da luz, a plena mistura há de levar sempre às belas cores do branco ou preto.
Indesejável mesmo é não possuir cor, deixar-se desbotar e apagar, endurecer enquanto tinta por não reconhecer o seu próprio valor na parte da Obra que lhe cabe. Mas em meio a tal confusão cromática, em sinestésica solução estratégica, vem a Música para evidenciar, por meio do som, a inevitável Aquarela a ser pintada pelas cores da sociedade. E no Brasil, já duas grandes músicas emolduram a beleza do povo brasileiro.
Aquarela do Brasil e Aquarela Brasileira: títulos iguais, mas diferentes, assim como são iguais e diferentes todas as cores que elas cantam. “Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato izoneiro, vou cantar-te nos meus versos”, anunciava o compositor Ary Barroso em 1939. Já a Escola de Samba Império Serrano, quase trinta anos depois, em 1964, evidenciava o poder da Obra majestosa da sociedade brasileira, pintada mesmo sobre a aridez dos dias: “o asfalto como passarela, será a tela do Brasil em forma de aquarela”.
O Samba é naturalmente o pincel com o qual se pinta as apoteóticas aquarelas. É expontâneo, diverso e integrador, assim como as cores cantadas: “Vejam essa maravilha de cenário, é um episódio, um relicário, que o artista, num sonho genial, escolheu para este carnaval!”, convida a Império Serrano. E Barroso é determinante ao declarar “O Brasil, Samba que dá”! Enquanto a Escola passeia por todo o território material brasileiro, reunindo em seu Quadro as cores do povo, da natureza e das cidades de diferentes estados, o Compositor viaja por entre sonhos e expressões de Trovadores, Senhorias, Malandros, Brincantes, Orantes e toda uma riqueza de figuras e enredos populares que misturam toda e qualquer cor, realizando uma Obra única!
A obra em curso, enfim – Obra de arte, Obra de pintura, Obra de sociedade – cabe a cada brasileiro continuar a pintá-la, com sua cor, seu pincel, sua música, sua cultura e jeito autêntico de ser: Um brasil “lindo e trigueiro”, um “Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro”, enquadrado por “verdes matas, cachoeiras e cascatas, de colorido sutil, e esse lindo céu azul de anil” que “emolduram em aquarela o meu Brasil”.